Participar de provas como atleta amador já não é o suficiente? Você precisa baixar o seu próprio tempo, ainda que isso não garanta prêmios nem honras, apenas satisfação pessoal? Como essa necessidade é sempre crescente, uma vez alcançada uma meta, imediatamente nasce outra. Desta vez (quem sabe?), chegar na frente do pelotão de elite. Todo corredor com espírito competitivo é assim mesmo, movido a desafios. Quer buscar o seu melhor. Mesmo sendo amador, sonha com uma conquista. Isso aumenta a confiança e melhora a autoestima. “Cada vez que isso ocorre sinto-me como um medalhista olímpico”, conta o jornalista Rogério de Moraes, que descobriu os prazeres da corrida há três anos. “Não é o recorde mundial, mas é o meu recorde”, diz, definindo o espírito da coisa.
A boa notícia é que é possível bater recordes pessoais e cruzar a linha de chegada na frente, mesmo sendo amador — no caso, amador de elite. Todo mundo (e isso inclui você) tem potencial para ser a bolacha mais recheada do pacote, mas para isso é preciso ter fome de vitória, ou “sangue nos olhos”. Sem garra e determinação, nada feito. Para ajudá-lo a chegar lá, consultamos especialistas nas áreas de treinamento (Marcelo Butenas, diretor técnico da Butenas Assessoria Esportiva) e psicologia do esporte (João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, e Daniela Chaves, colaboradora da Comissão de Psicologia do Esporte do Conselho Regional de Psicologia do Paraná), além de atletas que integram o time de elite. O resultado é este, digamos, guia de autoajuda. Confira e depois diga se vale ou não a pena sair correndo.
1. Trace uma meta e vá buscá-la
Como qualquer manual de autoajuda ensina, o básico para seguir adiante no que quer que seja é traçar uma meta e buscá-la. Assim, não desista no meio do caminho e sinta-se realizado quando ela é alcançada. Pegue o seu calendário de corridas, escolha uma que seja o seu sonho, estabeleça se irá fazer neste ano, no ano que vem ou mesmo no próximo, e trace um planejamento para chegar lá. E depois? Depois é traçar outra meta, fazer o esforço necessário e tentar alcançá-la. O estabelecimento de metas influencia o comportamento indiretamente — afasta a preguiça e evita que você mate treinos sem necessidade, por exemplo — e afeta fatores psicológicos importantes, como confiança e ansiedade.
2. Saiba o seu real potencial por meio de testes
Como os grandes mestres do assunto vivem repetindo, a corrida nunca deve ser feita com agressão ou sofrimento. Seu ritmo deve ser baseado na quantidade máxima de oxigênio que você consegue colocar na corrente circulatória (VO2 Máx.) e no teste limiar de lactato (ponto em que o corpo não consegue controlar a acidose provocada pelo exercício e entra em processo de fadiga), jamais pela sua idade. O objetivo é manter um equilíbrio entre gasto (pelo esforço) e alimentação (pela respiração), de tal forma que o seu organismo esteja sempre em equilíbrio.
3. Aumente o seu limite aos poucos
Testar os limites do corpo, como sabem os profissionais, não tem nada de natural. A provação aumenta o risco de contusões e dores. A maioria dos amadores, é verdade, está muito abaixo desse limite máximo de volume de treino. Aumentá-lo costuma ser um meio eficiente de melhorar a performance. Mas é preciso ir aos poucos. A recomendação mais tradicional é elevar a intensidade dos treinos em no máximo 5% por semana, durante três semanas seguidas e, na quarta semana, tornar a reduzir um pouco o volume, para o corpo descansar e adaptar-se ao esforço extra. Se não for assim, em vez de evoluir, o corpo começa a andar para trás.
4. Esteja na melhor forma
Saber que você pode ir além — e não quebrar — o faz mais forte que o sujeito que foi tomar banho mais cedo. Muitas vezes, o vencedor não é o mais talentoso, e sim o que treinou mais. Porém, a chave para vencer não é treinar muito. Acima de tudo, é preciso treinar direito. Tenha objetivos, mas não queira conseguir tudo em uma semana.
5. Melhore a técnica de corrida
Muitas pessoas acham que correr, assim como andar, é só uma questão de colocar um pé em frente ao outro. Mas essa é uma atividade que envolve técnica. Trabalhe com variações de velocidade e de terrenos, e peça ao seu treinador para elaborar um treinamento funcional. A partir do momento em que você melhora a postura, o movimento do corpo se torna mecânico e fácil de ser realizado.
6. Transpire mais que os outros
Há alguns anos, pesquisadores ingleses e alemães resolveram estudar pessoas talentosas para entender o que as diferenciava dos reles mortais. Para isso, investigaram pianistas profissionais e os compararam a pessoas que tinham apenas começado a estudar, mas desistido. O problema foi que os cientistas não conseguiram achar ninguém com habilidades sobrenaturais entre as 257 pessoas investigadas — todos eram igualmente dotados. A única diferença encontrada entre os dois grupos é que os pianistas fracassados tinham passado muito menos tempo estudando do que os bem-sucedidos. Quer dizer, não é que faltou talento para os amadores virarem mestres — faltou dedicação. O mesmo vale para quem pratica esportes: gênio é 1% de inspiração e 99% de transpiração.
7. Não perca o ritmo
Uma corrida é dividida em três partes, sempre progressivamente. Por isso, controlar o ritmo é crucial. Um corredor tem de dosar as energias o tempo todo e saber qual é o momento de acelerar. Para não errar no cálculo, um bom truque é ficar de olho em algum corredor que esteja à sua frente e que tenha um bom ritmo. Na medida do possível, cole nele. Imagine que ele tem um ímã que está puxando você em direção a ele.
8. Não tenha medo de vencer
É comum uma pessoa insegura, mesmo convencida de que merece aumento de salário, mudar de ideia durante a conversa com o chefe. O mesmo vale para um corredor com boas pernas, mas sem cabeça de vencedor. Para driblar essa deficiência, você precisa se automotivar, cair e se levantar de cabeça erguida, correr atrás do que falta, ter força de vontade para chegar lá. O bom é que quanto mais você vence, mais fácil fica. Depois que conhece o sabor da vitória, não quer mais parar.
9. Engane seu corpo
Quem joga a toalha antes, o corpo ou a cabeça? Muito frequentemente sua cabeça é que se rende primeiro, enquanto seu corpo ainda tem gás sobrando. O que faz você parar é a queda dos níveis de glicogênio baixos, o principal combustível para os seus músculos. Com medo de esgotar os estoques, o cérebro diz que não dá mais, ainda que tenha alguma reserva de energia. O segredo para não jogar a toalha é manter o tanque abastecido. A cada meia hora, consuma um carboidrato de absorção rápida (aquele em gel). E vá em frente.
10. Treine seu cérebro
Para ser um vencedor, não basta realizar treinamentos físicos e técnicos: é preciso treinar a mente e conhecer as próprias emoções. Atletas e treinadores cada vez mais reconhecem que fatores psicológicos influenciam o desempenho. Ansiedade, concentração e confiança são algumas interferências que podem sabotar a sua corrida, caso não sejam trabalhadas, analisadas e fortalecidas. O objetivo é derrubar as barreiras psicológicas que o impedem de atingir seu rendimento máximo, como pensamentos negativos (que a psicologia do esporte chama de “intrusos” e que derrubam atletas nos momentos mais importantes), medos e inseguranças. Uma das técnicas para isso é imaginar-se um cavalo forte e musculoso cavalgando pelas ruas, ou visualizar as pernas como se fossem rodas de bicicleta. Ao se concentrar nessas imagens, você sente que não faz esforço para correr.
11. Acelere o autoconhecimento
Os atletas de alto desempenho têm uma habilidade que os psicólogos chamam de dureza mental, que lhes permite ter sucesso nos momentos críticos, como não deixar a peteca cair quando estiver cansado ou dar um sprint nos quilômetros finais de uma maratona, por exemplo. Essa competência pode ser aprendida e treinada com profissionais da psicologia esportiva. Para isso, é preciso fazer um mapeamento prévio de suas características psicológicas e emocionais. Ou seja, você precisa se conhecer — inclusive, conhecer os próprios limites.
12. Tenha um mantra para chamar de seu
Repetir mantras durante a corrida também conta pontos. Recentemente, durante uma ultramaratona disputada na Austrália, a canadense Bernadette Benson repetia a frase “Implacável, para a frente e progresso!”. Coincidência ou não, ela venceu a prova de 1.000 km! Você pode simpli car a mensagem repetindo apenas: “Vou conseguir! Sou vencedor!” À medida que você associar este mantra ao treinamento mental, ele virá muito fácil no momento da prova.
13. Cultive os pensamentos positivos
Pensamentos negativos durante a corrida são um veneno. Porém, como são automáticos, muitas vezes a gente nem se dá conta deles. É como se uma voz casse dizendo no seu ouvido: “Você não vai conseguir!”
Para driblá-los, o processo mental é bem simples: basta não car pensando na tentação e focar naquilo que é realmente importante no momento — como terminar a prova no mesmo ritmo, por exemplo. Para isso, é possível repetir pensamentos positivos durante a competição, como “treinei muito e estou pronto para esse desafio” etc. Esse tipo de pensamento atua para revigorar o ânimo. Cultivar pensamentos positivos é um exercício tão importante como o fortalecimento muscular ou o aprimoramento de uma técnica especí ca de treino ou competição.
14. Invista nos pontos fracos
Quem acha que para correr é preciso apenas ter fôlego está enganado. Existem aliados que complementam a preparação do corpo para que ele suporte as solicitações físicas, como a musculação, por exemplo. Muitos corredores têm preconceito contra ela, mas a musculação é importante na corrida porque ajuda a tratar assimetrias musculares e evitar a fadiga, prevenindo lesões. Sem contar que controla o peso, aumenta a resistência muscular e a força. É um complemento indispensável. Geralmente, nossos pontos fracos existem justamente porque não insistimos neles.
15. Não perca o ritmo
A menos que você seja queniano, não é o recorde mundial que está tentando alcançar — é o pessoal. Por isso, mantenha o ritmo, em vez de tentar acompanhar o pelotão. Chegará um momento em que as sucessivas vitórias sobre si mesmo ampliarão o seu olhar para os adversários e, aos poucos, seu foco se voltará para derrotar os adversários externos. Do contrário, sem querer, você pode forçar demais e quebrar. Prova perfeita é aquela em que o corredor extrai de si o máximo que era possível fazer naquele dia, não importando a sua colocação. Correr com os líderes só é a melhor estratégia quando o propósito é vencer a prova.
16. Mantenha o foco
Outra técnica para superar os pensamentos negativos é ficar focado apenas na corrida — procurando não levar problemas ou questões familiares/ profissionais para a competição. Pense na passada seguinte, por exemplo, ou na próxima curva ou ainda no próximo quilômetro. Também é possível se concentrar em uma tarefa que seja útil para o seu resultado na corrida, como calcular no relógio o seu ritmo de corrida, o que ajuda a afastar os pensamentos negativos. Se nada disso funcionar, experimente ficar zen, simplesmente. Para a triatleta Fernanda Keller, o grande segredo do esporte de longa duração e alta performance é este: ter a mente limpa. “Não pensar em nada, ficar concentrado em correr e respirar”, diz.
17. Se vira!
O único adversário de um corredor durante uma competição é o próprio corredor. O único aliado, idem. É justamente essa sensação que costuma motivar alguns atletas de ponta. “Quando está difícil, adoro a sensação ‘Se vira, é com você! Não falou que ia fazer Ironman?’”, conta a triatleta Fernanda Keller. “Sempre procurei, na hora do vamos ver, não depender dos outros”, diz Alexandre Ribeiro, tetracampeão de Ultraman. Para isso, a autoconfiança, a autoestima, o equilíbrio e a segurança devem estar em harmonia, fazendo com que a esfera psicológica atue sempre a seu favor.
17 dicas para ser um amador de elite, O2, edição nº 110, junho de 2012