Revista Contra-Relogio Edição 194 – NOVEMBRO 2009 – LUIZ CARLOS DE MORAES
Qualquer pessoa que resolva fazer uma atividade física, seja ela qual for, já sentiu e vai sentir sempre dor muscular especialmente os corredores que quando não a sentem até acham não estarem evoluindo ou não estão fazendo nada. São adeptos ao velho adágio popular “sem dor não se avança no esporte” e não deixam, até certo ponto, de ter razão porque a dor nem sempre é ruim.
Podemos, grosso modo, classificar as dores musculares em três níveis: aquela dorzinha gostosa generalizada depois de uma corrida, que não impede os movimentos; a que impede parcialmente, perdendo-se flexibilidade e capacidade de gerar força, mas ainda assim permite continuar andando; e a aguda, que nos deixa mancando e dificultando fazer o movimento normal.
A primeira geralmente não traz nenhuma conseqüência e não impede a continuidade do treinamento, desde que seja leve no dia seguinte. Em relação à segunda, é bom prestar bem atenção se ela melhorou, piorou ou permaneceu estável. Para essa dor pode ser necessário um descanso maior. Se você é daqueles que não deixam de treinar de jeito nenhum, observe se a dor permanece. Se piorar logo nos primeiros quilômetros, por mais que lhe custe, pare imediatamente. A terceira deve receber atenção diferenciada porque pode ser uma lesão leve e evoluir para grave se insistir em treinar por teimosia.
Apesar de desconhecida a verdadeira causa, a dor chamada pelos fisiologistas de Dor Muscular Tardia depende quase que diretamente da intensidade, duração de esforço e do tipo de exercício realizado, embora a intensidade seja uma causa mais importante do que a duração. De qualquer forma pode estar relacionada a micro traumatismos, seguidos de inflamação aguda das fibras musculares, estiramento excessivo do tecido conjuntivo do músculo, alteração no mecanismo celular de entrada e saída de cálcio ou vários fatores conjugados.
INICIANTES E IDOSOS. Embora os iniciantes, assim como os idosos, estejam mais sujeitos, qualquer pessoa que resolva fazer uma atividade para a qual não esteja acostumada poderá ser surpreendida com as dores musculares nas primeiras 24/48 horas seguintes à atividade, o que não deixa de ser uma adaptação normal do organismo. Corredores que não mantêm regularidade no treinamento e quando treinam resolvem recuperar o tempo perdido são candidatos a dores seguidas de lesões. É preferível treinar três vezes por semana sempre nos dias certos, do que numa semana treinar seis dias, na outra dois e na outra nenhuma.
É preciso estar atento às formas de aliviar as dores. Produtos analgésicos (em spray ou cremes) são apenas um paliativo, não atuando na causa. Se a atividade que gerou a dor foi bem planejada, um exercício mais leve no dia seguinte serve para ajudar o processo de adaptação muscular às novas exigências do treinamento. Porém, se as dores musculares forem muito intensas, o gelo e repouso quase sempre são opções melhores. Qualquer exigência a mais da musculatura faz com que os micro traumatismos das fibras musculares sejam acompanhados de derramamento de líquidos entre as fibras, até certo ponto uma reação normal de defesa do organismo.
O gelo, além de aliviar a dor, provoca uma diminuição na concentração desses líquidos, num processo conhecido por vasoconstrição. Em competições feitas por baterias eliminatórias no mesmo dia, como por exemplo os 100 metros rasos, após cada etapa os corredores procuram massagear as pernas com gelo ou mergulhar as pernas em local cheio de água gelada a fim de evitar dor muscular que possa prejudicar a bateria seguinte.
ÁGUA FRIA DEPOIS. Depois de um treino longo ou mais puxado, os corredores que tiverem condições devem mergulhar as pernas numa piscina com água fria ou os que treinam perto da praia devem aproveitar para ficar andando na beira do mar com água pela cintura ou mesmo nadar um pouco. Isto faz um bem danado.
Quem não tem nada disso e gosta de tomar banho quente deve fazer um sacrifício de, no final do banho ligar o chuveirinho e banhar as pernas com água fria. Quanto mais fria melhor. A pior atitude nesses casos é aplicar calor, que provoca aumento de líquidos e de sangue na região, processo conhecido como vasodilatação, comprometendo ou retardando a recuperação do tecido muscular.
Outra grande aliada à recuperação muscular e alívio da dor é a hidroginástica, uma atividade física aeróbia feita numa piscina com água na altura do peito, cujas propriedades físicas da água proporcionam um estado de relaxamento. Há algum tempo, os técnicos ligados ao voleibol e ao futebol, que sabidamente são esportes muito intensos, com altos índices de lesões, adotam essa opção por ser muito eficiente em amenizar as dores tardias e redução de lactato.
DOR, UM BOM SINAL. É bom lembrar que dor é quase sempre um sinal de alarme e não deve ser de todo desprezada, mesmo aquela que a gente classifica como “dor gostosa”. Alguma coisa aconteceu. A atitude seguinte deve ser precedida pelo bom senso e qual de nós nunca errou nessas decisões?
A Dor Muscular Tardia atinge indistintamente qualquer um, mas os corredores amadores sentem mais por estarem menos acostumado a esforços extras, como em determinadas provas com muita subida e/ou descidas. O atleta de elite é um caso à parte porque precisa estar sempre tentando ultrapassar seus limites e a dor muscular é uma constante nas suas vidas. Sentir mais ou menos muitas vezes pode significar a diferença entre a vitória e a derrota. Por isso mesmo, o atleta não pode ser tomado como exemplo de saúde e bem-estar. Sentir dor de vez em quando é legal, mas sempre fica por conta de outros objetivos além da saúde.
NADA A VER COM LACTATO. É importante lembrar que, ao contrário do que se imaginava, a dor muscular pode não estar relacionada com a concentração de lactato sangüíneo e sim com o tipo de contração muscular repetitiva e/ou amplitude articular exagerada. Fisiologistas importantes concordam que as contrações excêntricas, como por exemplo correr na descida, não aumentam tanto a concentração de lactato, mas geram dores musculares bastante significativas.
As contrações concêntricas, como correr no plano, podem aumentar a concentração de lactato, mas as dores musculares são menos percebidas. Portanto, em qualquer corrida, com ou sem ladeiras, não são poucos os atletas que largam muito forte tentando melhorar seus tempos ou aparecer nas fotos de jornais e na televisão. Esses, além de sabidamente não evoluírem em seus desempenhos, são os primeiros candidatos às dores musculares e eventualmente às lesões.
SABER A CAUSA. A presença da dor muscular sempre nos reflete a identificar a causa. Os adeptos da musculação devem tentar observar se a dor muscular teve origem nessa atividade ou na corrida. Aumento abrupto de carga, repetições excessivas, movimento articular exagerado ou o não respeito ao descanso adequado normalmente são as causas principais de dores musculares na musculação.
Além disso, vale dar uma olhada na qualidade dos aparelhos. Os muito velhos e/ou sem manutenção são causas de dores musculares e lesões importantes. Os mais modernos se ajustam perfeitamente às medidas mais variadas de cada um e são projetados com base em estudos biomecânicos.
Na corrida, outras causas devem ser investigadas, tais como o calçado muito gasto, inadequado ao tipo de pisada ou novinho em folha com estréia numa competição. Também desvios posturais, anormalidades antropométricas e biomecânicas podem ser causas de dores musculares que aparecem mesmo depois de vários anos de treinamento.
ALONGAR É PRECISO. Outro fator de muita controvérsia na corrida é a questão da flexibilidade e o hábito de fazer ou não alongamento, que é o exercício destinado a desenvolver essa valência física. Não se trata de alongar antes ou depois da corrida e sim de em algum momento do dia ou pelo menos duas vezes por semana encontrar tempo para fazer essa atividade. Articulações e músculos mais flexíveis facilitam o gesto esportivo. Isso é um fato! Não são poucos os corredores que sentem dores lombares e nos músculos posteriores de coxa causadas por falta de flexibilidade nessas regiões.
Enfim, correr é um dos movimentos mais naturais do ser humano, que segundo a ciência foi, por assim dizer, projetado para isso tendo ao longo dos anos desenvolvido tendões e ligamentos elásticos para permitir amplitude de passada, crânio capaz de prevenir superaquecimento, glúteos maiores e antebraços mais curtos para estabilizar o movimento e pernas mais longas para correr mais rápido.